Por: Fernando Torres - Valor Econômico
Dezenas de milhares de pessoas acabam de resgatar alguns bilhões
de reais investidos em fundos de investimentos da categoria "renda fixa
índices", assustadas com as perdas registradas após a forte desvalorização
das NTN-Bs, títulos públicos de longo prazo que rendem juro real fixo acima da
inflação medida pelo IPCA.
Depois do susto, elas devem estar procurando culpados.
O Banco Central, que elevou a Selic, é um candidato. A turma do
Federal Reserve, que ameaça mudar o rumo da política monetária dos EUA, também
entra na lista.
Largada de Bolt não deveria assustar maratonista
Por fim, outro alvo óbvio é o gerente do banco, que não teria
alertado para os riscos.
A lista de razões e responsáveis poder ser grande.
Mas provavelmente o maior culpado é a falta de compromisso do
investidor com seu plano inicial. É a cabeça, e o estômago.
Muitos investidores dizem que investem no "longo prazo",
para se esquecer disso no dia seguinte à aplicação.
Toda cartilha de finanças pessoais reza que as aplicações devem
ser feitas de acordo com o prazo previsto para resgate.
A parcela do dinheiro que precisa ficar disponível para resgate no
curto prazo deve ser destinada a investimentos conservadores, como poupança e
fundos que seguem o CDI.
Apenas a fatia que, com algum grau de confiança pode ficar
guardada por mais tempo, deve ser destinada a fundos de investimento com
estratégias mais agressivas, ao mercado acionário ou para compra de títulos
como as NTN-Bs.
No papel, tudo isso é lindo.
Na prática, o investidor entra em um fundo que aplica em títulos
com prazo médio acima de cinco anos e fica olhando a variação diária da cota.
É a receita para o fracasso.
Se a pessoa decide correr uma maratona, não deve ficar preocupada
se, na hora da largada, vir o jamaicano Usain Bolt disparando na frente nos
primeiros 100, 200 ou 400 metros. Sua prova é de 42 km.
Se os títulos públicos têm características e prazos diferentes,
não é porque o pessoal do Tesouro é criativo e gosta de inventar combinações de
letras e números.
Cada papel tem seu perfil de risco, de retorno e também seu prazo
de vencimento.
Se o investidor avesso a risco quer aplicar pensando na sua
aposentadoria, faz todo sentido que invista em títulos de 10, 20 ou 40 anos.
Mas se ele quer usar o dinheiro para comprar um carro novo no ano
que vem, e decide investir em papéis com esse mesmo prazo, tem algo de errado
por aí.
É claro que muitos cotistas de fundos podem ter sido mal
aconselhados por gerentes nos bancos. Como as carteiras da categoria
"renda fixa índices" subiram bem acima do CDI nos últimos dois anos,
era uma aplicação fácil de vender.
Os mais de 300 fundos da categoria captaram R$ 65 bilhões em pouco
mais de dois anos e chegaram a reunir 230 mil cotistas em janeiro, ante 84 mil
no fim de 2011, de acordo com dados da Economatica.
Mas de abril para cá, quando esse mercado virou e alguns títulos
atrelados a inflação se desvalorizaram até 20%, as carteiras passaram a
acumular perdas e os resgates chegaram a R$ 15 bilhões. O número de cotistas
caiu para 120 mil.
A existência do termo "renda fixa" no nome, ainda que
tecnicamente defensável, certamente não ajuda.
Mas, em última instância, a decisão é sempre do investidor.
O aplicador comum tem basicamente um único motivo para comprar uma
NTN-B - e o raciocínio também vale para os fundos de índice.
É estar satisfeito com a taxa de juro real prometida na época da
aplicação, esteja ela em 6%, 5%, 4% ou 3% ao ano. Se o seu horizonte de
investimento condiz com o prazo do papel, é exatamente isso que você receberá
ao fim do contrato.
É verdade que é difícil ter certeza de que será possível manter um
investimento parado até 2024, 2035 ou 2050 - quando o retorno
"combinado" estaria garantido.
Mas também não é normal fazer uma aplicação dessas e sacar o
dinheiro no mês seguinte.
Quanto mais tempo o investidor conseguir manter os recursos
aplicados, menor a chance de realizar prejuízo em caso de resgate antecipado.
Uma análise sobre os retornos médios sucessivos da NTN-B 2024
Principal desde seu lançamento ilustra bem isso.
O retorno médio mensal do papel ficou em 1,6%. Mas a chance de
perder dinheiro fazendo a aplicação por um mês não é nada desprezível.
Já em intervalos de cinco anos, que seria o início de um horizonte
de longo prazo, o retorno médio foi de 143% e, apesar do sobe e desce, nunca
ficou abaixo do CDI, que deu ganho médio de 67%.
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