terça-feira, 27 de agosto de 2013

O que é longo prazo para você?

Por: Fernando Torres - Valor Econômico

Dezenas de milhares de pessoas acabam de resgatar alguns bilhões de reais investidos em fundos de investimentos da categoria "renda fixa índices", assustadas com as perdas registradas após a forte desvalorização das NTN-Bs, títulos públicos de longo prazo que rendem juro real fixo acima da inflação medida pelo IPCA.
Depois do susto, elas devem estar procurando culpados.
O Banco Central, que elevou a Selic, é um candidato. A turma do Federal Reserve, que ameaça mudar o rumo da política monetária dos EUA, também entra na lista.

Largada de Bolt não deveria assustar maratonista

Por fim, outro alvo óbvio é o gerente do banco, que não teria alertado para os riscos.
A lista de razões e responsáveis poder ser grande.
Mas provavelmente o maior culpado é a falta de compromisso do investidor com seu plano inicial. É a cabeça, e o estômago.
Muitos investidores dizem que investem no "longo prazo", para se esquecer disso no dia seguinte à aplicação.
Toda cartilha de finanças pessoais reza que as aplicações devem ser feitas de acordo com o prazo previsto para resgate.
A parcela do dinheiro que precisa ficar disponível para resgate no curto prazo deve ser destinada a investimentos conservadores, como poupança e fundos que seguem o CDI.
Apenas a fatia que, com algum grau de confiança pode ficar guardada por mais tempo, deve ser destinada a fundos de investimento com estratégias mais agressivas, ao mercado acionário ou para compra de títulos como as NTN-Bs.
No papel, tudo isso é lindo.
Na prática, o investidor entra em um fundo que aplica em títulos com prazo médio acima de cinco anos e fica olhando a variação diária da cota.
É a receita para o fracasso.
Se a pessoa decide correr uma maratona, não deve ficar preocupada se, na hora da largada, vir o jamaicano Usain Bolt disparando na frente nos primeiros 100, 200 ou 400 metros. Sua prova é de 42 km.
Se os títulos públicos têm características e prazos diferentes, não é porque o pessoal do Tesouro é criativo e gosta de inventar combinações de letras e números.
Cada papel tem seu perfil de risco, de retorno e também seu prazo de vencimento.
Se o investidor avesso a risco quer aplicar pensando na sua aposentadoria, faz todo sentido que invista em títulos de 10, 20 ou 40 anos.
Mas se ele quer usar o dinheiro para comprar um carro novo no ano que vem, e decide investir em papéis com esse mesmo prazo, tem algo de errado por aí. 
É claro que muitos cotistas de fundos podem ter sido mal aconselhados por gerentes nos bancos. Como as carteiras da categoria "renda fixa índices" subiram bem acima do CDI nos últimos dois anos, era uma aplicação fácil de vender.
Os mais de 300 fundos da categoria captaram R$ 65 bilhões em pouco mais de dois anos e chegaram a reunir 230 mil cotistas em janeiro, ante 84 mil no fim de 2011, de acordo com dados da Economatica.
Mas de abril para cá, quando esse mercado virou e alguns títulos atrelados a inflação se desvalorizaram até 20%, as carteiras passaram a acumular perdas e os resgates chegaram a R$ 15 bilhões. O número de cotistas caiu para 120 mil.
A existência do termo "renda fixa" no nome, ainda que tecnicamente defensável, certamente não ajuda.
Mas, em última instância, a decisão é sempre do investidor.
O aplicador comum tem basicamente um único motivo para comprar uma NTN-B - e o raciocínio também vale para os fundos de índice.
É estar satisfeito com a taxa de juro real prometida na época da aplicação, esteja ela em 6%, 5%, 4% ou 3% ao ano. Se o seu horizonte de investimento condiz com o prazo do papel, é exatamente isso que você receberá ao fim do contrato.
É verdade que é difícil ter certeza de que será possível manter um investimento parado até 2024, 2035 ou 2050 - quando o retorno "combinado" estaria garantido.
Mas também não é normal fazer uma aplicação dessas e sacar o dinheiro no mês seguinte.
Quanto mais tempo o investidor conseguir manter os recursos aplicados, menor a chance de realizar prejuízo em caso de resgate antecipado.
Uma análise sobre os retornos médios sucessivos da NTN-B 2024 Principal desde seu lançamento ilustra bem isso.
O retorno médio mensal do papel ficou em 1,6%. Mas a chance de perder dinheiro fazendo a aplicação por um mês não é nada desprezível.
Já em intervalos de cinco anos, que seria o início de um horizonte de longo prazo, o retorno médio foi de 143% e, apesar do sobe e desce, nunca ficou abaixo do CDI, que deu ganho médio de 67%.

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